quarta-feira, 28 de julho de 2010

Nada


O ex-integrante de boy band
que dançou,
a atual garota da capa
sem miolo,
o ex-big brother
sem hermanos,
a atriz pornô metidinha,
o vídeologger desconectado,
o apresentador sensacionalista
fora da lista,
o animador de plateia sem
os braços,
o sósia negro do Michael Jackson,
o escritor das estantes vazias,
a roda-gigante para gente
quadrada,
um domingo na pizzaria,
todos eles numa escura
sala neon esfaqueando-se
com uma faca de pão.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tele Senas e Abacaxis


“Quer comprar abacaxi? Traz Tele Sena!!! Traz Tele sena!!! Este aqui é docinho, docinho, docinho! É abacaxi da Paraíba”. É assim, em meio ao já caos de uma cidade pequena, que uma voz se destaca na multidão. Uma luta covarde entre o burburinho dos transeuntes e o alto-falante do dono do caminhão. Caminhão que eu tenho apenas na imaginação, e é vermelho com uma lona cobrindo os abacaxis. Bem que eu queria sair, dar uma espiada, mas reservo-me ao direito de ficar em casa.

Aí vem em mim uma dose de encanto junto de uma melancolia, de um reconhecimento da decadência que passa despercebida. Eu me pergunto “onde estou?” e “que lugar é este?”, aí dou por mim e percebo o quanto é difícil sair.

É uma desconstrução dos significados; é sexo sem amor; é estupro; é o aterramento de uma vala para encobrir a profundidade. O abacaxi, vindo de longe, passa, passa por toda a cidade, como um turista, como um terrorista escondido sob a lona, a ponto de explodir. Passaria despercebido não fosse o alto-falante que denuncia, que clama, que chama. Aí as formigas aparecem ansiosas por açúcar. As pessoas e seus baldes. Zumbis de um sol nordestino que putrefaz com mais facilidade toda e qualquer carne.

Do fundo de uma gaveta qualquer saem as Tele Senas esquecidas. Mais esquecido ainda o sonho de tornar-se milionário, de conhecer o homem do baú. Com a desconstrução de significados, o título de capitalização passa a ter valor pecuniário e o abacaxi, outrora apenas metafórico, passa a ser literal.

Desta maneira a transação é realizada. Pessoas felizes com seus baldes transbordando abacaxis; vendedor exibindo seu dente de ouro, contente pelo dia não ter ido por água abaixo.
Vem a faca carrasca desapossando o rei abacaxi e renegando seu item mais nobre, a coroa. É por isso que todos permanecem súditos, dependentes de suas amareladas Tele Senas. Falta-lhes atenção aos detalhes.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Óculos e Bigode


Quero usar pochete,
ter cabelo no peito e saber
que você me ama desse jeito.
Quero ter dente faltando
e sobrancelha colada e saber
que pra você isso não é nada.
Quero ter nariz grande e voz
anasalada e te ver ainda apaixonada.
Quero usar óculos fundo de garrafa
e passear contigo de mãos dadas.
Quero não ter amigos, ser fichado
como louco e saber que isso
não influencia nem um pouco.
Quero ter alface no dente e
estar certo de que você continuará
a sentir o que agora sente.
Quero andar com o desodorante
vencido e saber que
entre nós dois isso não é perigo.
Quero ter um bigode como o
do Belchior e ver que nosso
amor é sempre maior.
Quero que você não se
assuste, pois isso não é um
embuste, apenas um disfarce.
Assim, de todas as maneiras
você prova que gosta de mim.

domingo, 18 de julho de 2010

Até Logo


Ah! se nosso passatempo
fosse comer biscoito Passatempo
e só olhar as nuvens.
Ah! se todo o tempo do mundo
fosse meu para contar quantas
listras existem nesse vestido teu.
Ah! se teu cheiro grudasse feito
fita adesiva no meu nariz e
respirar fosse mais lembrar.
Queria escrever como se
cada palavra, expressão e
olhar teu fosse uma música
que caminha para o ápice,
mas, exceto o som das teclas,
é tudo silêncio porque eu
acho que tudo que se aproxima
de mim é silêncio. Um silêncio
tão hermético que me prende
nesta outra dimensão.
E aí nunca ninguém irá me
compreender, porque eu
sou intocável.
Sendo assim, tuas mãos
em mim, a boca, a pele
e o perfume, são só um
silêncio que se faz presente
quando coloco aquelas
músicas pra tocar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Tesoura


Photobucket

Alguém, que eu não sei o nome, partiu-me ao meio, sem nenhum receio de que eu fosse me dividir em dois. Ainda bem que não, pois minhas partes são feijão com arroz, são casadas. Agora eu não falo nada, fiquei nessa de deixar o vento me levar pra lá e pra cá, como o velho jornal que só me agradava o cheiro. Estou meio perdido numa ventania sem fim. Enquanto as pessoas leem seus jornais, ninguém lê a mim.

Postado originalmente em outro blog meu já falecido. O desenho também é meu.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ainda Falta


Tudo o que eu tenho são
esfirras de frango
que me fazem passar mal.
Tudo o que eu tenho são
amigos que me visitam nas férias.
Tudo o que eu tenho são
amores criados para
sustentarem meus poemas.
Tudo o que eu tenho são
as observações irônicas
capazes de levar ao riso
e encobrir um coração amargurado.
Tudo o que eu tenho
são sonhos débeis mutilados
sempre que abro a porta do quarto.
Tudo o que eu tenho é
uma organização transformada em
caos quando preciso lidar com os outros.
Tudo o que eu tenho é
a incessante busca por um
coração que me distancie das
coisas que eu não desejo ter.
Tudo o que eu quero ter é
alguém que não me ache idiota,
mas apenas sincero.
Tudo o que eu quero é
humor, melancolia, estilo
e sua vontade de erguer meus
braços feito arranha-céus.
Tudo o que eu quero é
manter as esperanças de
que o que eu posso querer também
esteja em você.
Tudo o que eu posso querer é
ensinar e aprender que bons
sentimentos bebem do elixir
da longa vida e apagam
qualquer ferida.
Tudo o que eu quero é
ir embora dos lugares
que assassinam meus desejos.
Tudo o que eu quero é
alguém que queira.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

0


E se o gelo da minha mão
conhecesse o gelo da tua,
seríamos capazes de congelar
essa rua?
Sobreviveríamos às baixas
temperaturas da lua?
Nosso mal é uma constante
febre glacial que não nos
permite ser como o vizinho.
O sol se põe e eu congelo sozinho.
Estalactites e estalagmites
nascendo dentro de nós,
perfurando todo o amor restante.
É sempre gelo de principiante.
Pensei em esfriar a cabeça e
e passei as férias dentro da geladeira.
Acabou a energia, eu não fiz o que queria.
Perdi a noção de noite e de dia.
Li no jornal os dados alarmantes
sobre o dado ser um cubo de gelo.
Joguei-o, tirei a sorte:
você mudou-se para o Polo Norte.

sábado, 3 de julho de 2010

Unidade Imaginária


Queria te falar em francês,
mas sempre parece grego.
Acho que descobri que
sonhos fragmentados nada
mais são do que pequenas
unidades de desilusão.
Talvez se a gente se
fotografasse todos os dias,
talvez, perceberíamos com
o tempo um sorriso que murcha,
que não vence mais a gravidade.
Os mapas dos lugares que eu
pretendia visitar estão ficando
desatualizados. Vai tudo ficando
de lado. Fora da rota.
Sinto-me mal por não gostar
dessas pessoas, mas elas são
tão lugar. Elas todas são
cidade sem turismo.
Perco-me pensando em furos
no tempo e no espaço, em
realidades paralelas. Fico
pensando em sair para contar
as estrelas, deitado sobre um
refrescante gramado.
Penso e escrevo, como agora.
É um fio de esperança, de insistência
burra e cega, de tolice em achar
que o meu individualismo vale
alguma coisa.
Será que você aí sabe da leveza
e fragilidade desses pensamentos?
É capaz de perceber o trânsito que eles
atravessam antes de nascerem
para o caos?
Com um cumprimento, com uma
campainha, com um outro alguém,
eles se dispersam, se desorganizam
e transformam-se em simples e
pequenas unidades. Desilusões.