sexta-feira, 24 de setembro de 2010

EAÍ


E aí você está sentado, sozinho na mesa, esperando sua pizza ficar pronta. Já devia ter chegado. E aí o garçom liga o televisor para fazer o tempo não parecer tão lerdo. Ele sintoniza no Faustão. É o sinal do domingo. É domingo. É apocalipse. Começo e fim dos tempos. Começo da semana e fim da vida. Um suicídio agraciado com segundas, terças e infinitas outras chances.

E aí você imagina o Faustão babando borbulhosa espuma branca seguida de gritos desesperados da plateia. E aí é só o se vira nos trinta. E aí você percebe que, talvez, não consiga se virar, mesmo quando tiver 30. E aí tem um casalzinho do lado que, nem ao menos se dá conta dos 30 minutos de atraso da pizza. E aí que eles riem e ambos usam aparelhos dentários e têm espinhas. E aí ele é intumescido de tanto lanchar anabolizantes, do tipo que parece um baiacu lutando pela sobrevivência. E aí que ela tem um decote, uma calça Gang e uma pequena bolsa capaz de remeter qualquer um à genitália feminina. O carro dele é o pau, enorme, reluzente, robusto, quatro por quatro, que aguenta qualquer tranco. A bolsa dela é a boceta, feminina, delicada, lacrada, portátil, cheirosa, virgem. O pau dele é atrofiado e não aguenta o tranco. A boceta dela é quatro por quatro, enorme e, lá cabe um carro.

E aí você olha para o lado. Amigos felizes, descontraídos e inquietos falam sobre cachaça, raparigas e veados, porque é engraçado. Eles mexem os braços habilmente, como um mágico treinado para lhe desviar a atenção, mas seu olhar é sagaz e você consegue enxergar o que há por trás. E aí seus olhos vidram na espuminha branca que se forma na boca do mais tagarela, sustentado por rapariga-cachaça-veado, um neologismo que não precisa ser explicado. E aí aquela espuminha é tão branca e tão viva e tão borbulhante que, por um instante, você se lembra do Faustão espumando.

E aí que a juventude é promissora. E você, tão bom, tão crítico, observador e sensato ficou para trás. É só um pensamento que ocorre, quando a hipnose por espuma branca é interrompida pelos passos encantadores de uma moça com a capacidade telepática de fazer algo dentro das suas calças erguer-se e, de esponja, transformar-se em adamantium.

E aí não é para o teu bico, porque ela já tem um. E aí você tem a certeza de querer ser um avestruz e enfiar a cabeça no buraco quando ela cumprimenta primeiro o carro e a bolsa e, logo depois, o Aurélio rapariga-cachaça-veado. E aí, meu deus, alguém ali quer ser advogado, porque o pau aumenta mais do que com alargadores vendidos na internet. E aí, depois de “nóis faz” e “nóis fumo”, interessei-me pelos serviços. Quero defender-me deles mesmos.

E aí é bom morar em cidade pequena, porque todo mundo se conhece; porque todo conhecimento do mundo se desconhece; porque é pacato; porque um carrapato sorvendo forte um cão é a nova espuma branca da nação.

E aí, passou a fome. Você vai embora sem dar satisfações, porque, provavelmente, a pizza já estava sendo embalada. Mas, alguém de boca espumante, devorará aquelas dez fatias de calabresa e frango com Catupiry.

E aí você caminha e observa todos tão risonhos e acomodados em seus bancos de madeira que nem parece que amanhã será segunda-feira. Mas a segunda chega, e as conversas desgastadas por bocas espumantes e salivares também. As pessoas estão todas empolgadas, atarefadas e engajadas em viver uma vida que, de longe, já lhe deprime.

E aí, eis que surge um banco acomodador bem na sua frente. Sentar é a única tentativa de assentar suas ideias viajantes de um cosmo cinzento. Muito bem, sentando, indago-me, do domingo, só Faustão? Da pizza, só gordura? Da boca, só espuma? E aí?

2 comentários:

Jayane disse...

E aí que, pra fome, tem comida. Pra doença, tem remédio. Pra sono tem descanso. Mas pra essas coisas que não são fisiológicas, da existência, ninguém nunca dá resposta... Quer dizer, até dão, mas se você pensa, pensa MESMO, vê que são vazias. Ou esvaziantes. E aí? Aí ao menos tentar ser eu mesma. Ao menos isso...

Igres Leandro disse...

Boa reflexão. Comentários que se somam aos textos serão sempre bem-vindos.